Procurador-Geral de Justiça de Santa Catarina, Fernando da Silva Comin faz questão de destacar as ações do Ministério Público de SC durante a pandemia. A atuação firme e assertiva na fiscalização dos órgãos públicos, a aproximação com a sociedade, com a criação de ferramentas que auxílio remoto e os instrumentos aplicados para que cerca de 12 mil jovens e crianças voltassem às salas de aula compõem um pacote de entregas que só confirmam o papel fundamental da instituição nestes momentos de crise. Porém, mesmo diante de tantos feitos positivos, Comin se viu mergulhado na luta contra a PEC 05/2021, que tramitou na Câmara dos Deputados com o objetivo de interferir e limitar a atuação da instituição, tornando-se uma ameaça. Para 2022, o Chefe do MPSC não acredita que este tema volte a assombrar, mas sabe que terá um desafio ainda maior por se tratar de um ano eleitoral, com vem acompanhado da polarização de do discurso de ódio. Nesta entrevista exclusiva à coluna Pelo Estado, ele trata desses temas e de outros mais. Confira:
Qual o balanço que o senhor faz do ano em que o MPSC teve uma atuação tão presente na pandemia do coronavírus?
O Ministério Público de Santa Catarinense estabeleceu durante o enfrentamento da pandemia três linhas de atuação: a primeira foi o acompanhamento e a fiscalização da política de controle da pandemia; a segunda, o PMSC ajudou a articular soluções de prevenção da judicialização da crise sanitária; e a terceira, que eu reputo a mais importante, foram as estratégias para que, em tempos de crise, de confinamento, de isolamento social, o MPSC se mantivesse ainda mais próximo da sociedade. Especificamente em relação à aproximação do MP em relação às pessoas, nós procuramos desenvolver, não só painéis de apresentação dos dados da pandemia e da atuação do poder público, como por exemplo dados do repasse do Poder Executivo federal para os municípios e para o estado; os mais de 5 mil procedimentos instaurados para fiscalizar para cobrar e fiscalizar as medidas sanitárias; toda a matriz que regionalização de combate à pandemia. Essa foi uma estratégia dentro da publicidade e da transparência das ações. Outra estratégia foi criar ferramentas e mecanismos para que a sociedade pudesse se comunicar conosco. Pessoas, que por ventura tivessem seus direitos lesados, puderam se comunicar direto de suas residências. As promotorias começaram a atender o público via whatsapp, por videoconferência; nós criamos uma atendente virtual no nosso site, que ajuda a população a navegar pelo site e encontrar os serviços do MPSC, encontrar as promotorias de justiça, a realizar uma denúncia, esclarecer uma dúvida, e também um aplicativo que se chama MP Catarina, que tem um leque de serviços oferecidos pelo MPSC à sociedade.
Qual o principal objetivo desta aproximação?
A vulnerabilidade social dessas pessoas continua existindo. Acriança não indo à aula não tem condições muitas vezes de expressar o abuso que esteja sendo praticado contra ela dentro do ambiente familiar. A mulher, não saindo de casa, não pode ir à delegacia de polícia fazer a denúncia da ocorrência de uma violação ou de uma agressão que eventualmente ela venha sofrer no ambiente doméstico.
O MPSC se viu diante de um desafio, uma vez que estes casos aumentaram durante a pandemia?
Sim, durante a pandemia surgiram ainda mais casos desta natureza e o Estado não estava estruturado para essa realidade. O MPSC fez um esforço grande para colocar à disposição dessas pessoas um canal de denúncia, de comunicação, de atendimento, e isso fez com que nós nos aproximássemos ainda mais da sociedade neste período. Durante a pandemia a gente verificou também um aumento crescente de ataques discriminatórios, racistas, xenófobos. Pelas redes sociais as pessoas ficaram mais sensíveis, mais instáveis neste ambiente de pandemia, de isolamento, e manifestaram a sua angústia, sua ansiedade muitas vezes de maneira equivocada. O MPSC também passou a monitorar isso, para que não tivéssemos um crescimento do discurso de ódio.
Estas ferramentas vieram para ficar?
Exatamente. Essas ferramentas se transformaram numa realidade duradoura, porque a pandemia trouxe o enfrentamento imediato desses problemas, mas evidentemente que as consequências geradas por ele também são duradouras. Então, o MPSC precisa manter essas estratégias de atuação para se manter como uma instituição que faz sentido nas vidas das pessoas.
“Criamos mecanismos, ferramentas para que a sociedade pudesse se comunicar conosco, sem precisa sair de casa. As promotorias começaram a atender via whatsapp ou por videoconferência, Criamos uma atende virtual”.
O MPSC teve e tem uma atuação forte na questão da evasão escolar. Qual a sua avaliação deste trabalho, uma vez que estes números não reduziram significativamente?
Este é um drama que estamos vivendo. O isolamento e o ensino a distância, trouxe uma série de dificuldades não só de aprendizagem, mas também um desestímulo aos alunos de permanecerem estudando nesse modelo. Isso aumentou a evasão escolar. O MPSC atuou em duas grandes frentes: auxiliando o estado e os demais parceiros – as secretarias estadual e municipais de educação, e os demais órgãos envolvidos – na elaboração de um protocolo da retomada das aulas presenciais, em segurança. E Santa Catarina foi o primeiro estado a retomar as aulas presenciais nas redes públicas de ensino. Essa foi uma frente importante. A ideia era trazer as crianças de volta para as salas de aula, em segurança, porque elas são um ambiente saudável, de socialização, de integração e de desenvolvimento da personalidade. A outra frente é, agora, lidar com a evasão escolar. E mais uma vez o MPSC auxiliou, em parceria com a Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação) e o TCE (Tribunal de Contas do Estado), a elaborar uma ferramenta de busca ativa. Com isso, conseguimos que mais de 12 mil alunos das redes públicas de ensino voltassem para as salas de aula. Essa é uma ação demorada, porque a pandemia fez com que o pico da evasão escolar batesse lá em cima. Mas, agora, a retomada para níveis normais exige um esforço constante de uma rede de proteção. O MPSC ajuda a estruturar essa rede.
No começo da sua gestão, uma das metas era o uso constante de ferramentas de inteligência no combate à corrupção e sonegação. Como está este trabalho?
Eu entendo que o MPSC conseguiu avançar muito. Todas essas novas tecnologias nos ajudam muito no cruzamento de informações. Por exemplo: o nosso laboratório de combate à lavagem de dinheiro investigou mais de R$ 77 milhões de ativos suspeitos, com algum indício de ilicitude. Na área da sonegação, a atuação integrada com a secretaria de estado da Fazenda possibilitou que nós tivéssemos hoje um total de R$ 1,3 bilhão de valores que foram sonegados e foram efetivamente denunciados pelo MPSC, com saldo parcelado de R$ 500 milhões e uma recuperação de R$ 400 milhões. Isso é um resultado espetacular. Se formos parar para pensar, essas atuações fazem do MPSC um órgão autossuficiente, que consegue trazer para o estado aquilo que o seu orçamento lhe destina para a manutenção do seu serviço. A gente tem procurado utilizar a inteligência artificial e as análises preditivas na nossa atuação criminal para saber o porque nós tivemos um determinado aumento de crimes violentos em determinada comarca. Como diagnosticar e enfrentar isso. Eu vejo que houve um grande salto de qualidade na atuação do MPSC, numa perspectiva de utilizar a tecnologia em ações preventivas, mas também para ações que precisam de uma ação mais firme, mais repressiva.
Cruzando as questões da pandemia com o combate à corrupção, nós tivemos o caso dos respiradores, que custaram R$ 33 milhões aos cofres públicos e quase o cargo do governador Carlos Moisés. Como foi a atuação do MPSC neste caso?
Neste caso dos respiradores nós estávamos no ápice da crise sanitária e o MPSC teve uma atuação repressiva, porque essa aquisição não foi precedida das formalidades que fariam com que ela estivesse inserida no radar dos órgãos de fiscalização. Ela foi realizada de forma absolutamente atípica, infringindo uma série de exigências formais no processo de compra pública, mediante antecipação dos recursos sem qualquer tipo de garantia. Em resumo, uma ação absolutamente desastrada, criminosa, porque alguns agentes públicos e privados se aproveitaram das fragilidades do momento para auferir vantagens ilícitas e o MPSC teve uma atuação muito rápida, firme e eficiente, em conjunto com a Polícia Civil, a PGE (Procuradoria-Geral do Estado) de maneira a conseguir hoje uma recuperação significativa dos valores que foram desviados e o bloqueio de bens como garantia praticamente no valor total da operação dos R$ 33 milhões.
“Acho que 2022 será de muito trabalho por se tratar de ano eleitoral, num ambiente muito polarizado. A Justiça Eleitoral e o MP precisam unir esforços. Será desafiador”.
Nós estamos nesta entrevista expondo a atuação relevante do Ministério Público. Mesmo assim, 2021 fica marcado por uma ameaça à instituição com a PEC 02/2021, que pretendia abrir caminho para interferência na sua atuação. O senhor acha que este risco pode voltar em 2022?
Eu acredito que o próximo ano não será para este tipo de pauta por conta da eleição e também porque a sociedade deu uma resposta, a imprensa deu uma resposta. Tentaram aplicar esse duro golpe na instituição, numa ação açodada. Uma manobra muito rápida na Câmara dos Deputados trazendo de uma hora para outra um texto completamente diferente daquele que vinha sendo tratado na Comissão Especial para surpreender todo mundo. E o Ministério Público demonstrou um rápido poder de articulação e resistência.
Qual a projeção que o senhor faz para 2022, um ano marcado por eleição e pela polarização?
Eu acho que teremos um ano de muito trabalho por se tratar de um ano eleitoral, num ambiente tão polarizado politicamente. A gente vive essa polarização política e em alguma medida até ideológica, que acaba insuflando em muito os ânimos das pessoas, dos partidos, enfim. A Justiça Eleitoral e o Ministério Público precisam unir esforços para manter a estabilidade do regime democrático e das instituições. Este será um episódio à parte num ano já desafiador.