O presidente do Tribunal de Justiça (TJ-SC), Rodrigo Collaço, fala, nesta entrevista, sobre o protagonismo cada vez maior do Poder Judiciário. Há 20 anos, o Tribunal estava orientado para os temas sociais, mas agora está predominantemente resolvendo problemas relacionados a políticos e ameaças à democracia. O desembargador iniciou sua carreira de magistrado na Corregedoria Geral da Justiça e atuou nas comarcas de Urubici, Papanduva, Palmitos, Porto União, Chapecó, Joinville e Florianópolis. Presidiu a Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC) por duas vezes e, em janeiro, conclui mandato de dois anos à frente do TJ-SC. Segundo ele, a Constituição Federal de 1988 fez muitas promessas sociais ao cidadão e não as cumpriu.
[Pelo Estado] – Qual a relação entre o crescimento do protagonismo do Poder Judiciário e a Constituição de 88?
Rodrigo Collaço – Porque a Constituição fez muitas promessas sociais ao cidadão. Depois de um tempo, ele aguardou que essas obras viessem pelo Poder Executivo. Frustrado com educação e saúde de baixa qualidade, resolveu buscar a Justiça para suprir essas demandas. Isso modificou completamente o nosso perfil. Deixamos de atuar na solução de demandas privadas para mediar o conflito das pessoas em busca de bens sociais, serviços sociais. Na minha visão, uma fragmentação partidária impede que o Legislativo consiga construir maioria sobre temas que deveriam ser próprios do Legislativo e essa falta acaba transferindo a solução para o Poder Judiciário. Ao ser provocado, o Judiciário assume um protagonismo e resolvendo questões que teoricamente deveriam ser resolvidos pelo Legislativo. É um protagonismo involuntário. Deixamos de atuar na solução de demandas privadas para mediar o conflito das pessoas em busca de bens e serviços sociais.
[Pelo Estado] – Este ano tivemos muitas denúncias contra juízes no Brasil originados por um portal jornalístico que deu origem ao que se chamou de Vaza Jato. Como senhor avalia a atuação da imprensa neste caso?
Collaço – Eu considero que a cobertura da imprensa foi justa [ao Poder Judiciário]. acredito que ela mantém o mesmo padrão em relação ao Executivo e ao Legislativo, uma cobertura que fiscaliza, que cobra e informa. Em relação à Vaza-Jato, eu sou contrário a qualquer tipo de vazamento, especialmente um vazamento obtido por meios ilegais. Este que aconteceu é criminoso e na minha visão não pode ser utilizado como prova.
[Pelo Estado] – Outra questão que dominou o debate nacional do Judicário em 2019 foi o da prisão em segunda instância. Qual o seu posicionamento sobre esta discussão?
Collaço – Eu defendo que a prisão ocorra após a segunda instância. Acho que isso dá lógica para o nosso sistema penal e reduz a impunidade. A matéria é julgada pelo juiz de primeiro grau e depois pelo Tribunal. Há um baixíssimo número de modificação nas decisões. Não concordo com a decisão do STF. Se fosse eu, não teria decidido assim. Sou contrário a qualquer tipo de vazamento, especialmente se for obtido por meios ilegais. Este que aconteceu é criminoso e na minha visão não pode ser utilizado como prova.
[Pelo Estado] – Que avaliação o senhor faz destes dois anos na presidência do TJ-SC?
Collaço – Nós temos bons números para mostrar. Tanto em primeiro grau, quanto em segundo grau de jurisdição. Nós tivemos em 2019 até agora 1 milhão de processos arquivados, superando a entrada de processos até novembro que era de quase 900 mil processos novos. É um número bastante grande. Conseguimos um acréscimo de produtividade. Nossa produção é maior do que a demanda. Em 2018 nós tivemos um índice 102% superior à demanda e até agora em 2019, 112% superior à demanda. Dois dados chamam a atenção. Primeiro é o número cada vez maior de processos no Tribunal e também um crescimento expressivo da produtividade. Nós conseguimos superar tanto em termo de número de julgamentos quanto em número de arquivamentos o número de processos entradas. É recorde de entradas, mas também é recorde de saídas. Nós temos um acervo que vem caindo.
[Pelo Estado] – O que permitiu ao Poder Judiciário catarinense ter registrado desempenho recorde nos últimos dois anos, com patamares inéditos de processos julgados e arquivados? Collaço – Sem dúvida a adoção de novas tecnologias, como videoconferências em audiências. O monitoramento da produtividade das varas e câmaras em painéis de Business Intelligence, tiveram papel preponderante no resultado. Também a adoção do e-Proc e a substituição de ferramentas, a exemplo do Sistema de Processos Administrativos (SPA) pelo Sistema Eletrônico de Informações (SEI), trouxe celeridade e segurança às demandas administrativas, economia e sustentabilidade ambiental.
[Pelo Estado] – Na área social, o que o senhor destacaria como ação principal
Collaço – Foram várias ações, mas eu destacaria as entregas do programa Lar Legal, que completaram 20 anos em 2019, firmando-se como um dos grandes projetos de regularização fundiária a famílias de baixa renda; a prevenção e o combate ao abuso e à exploração sexual infantil e de adolescentes na internet, por meio da capacitação de professores, policiais, pais e alunos e o enfrentamento da violência Em outubro promovemos um seminário colocou em debate os temas “A educação e a igualdade de gênero” e “O papel da imprensa no enfrentamento da violência contra as mulheres”. E nosso trabalho não parou por aí. Em novembro havia 39.619 processos em andamento envolvendo violência doméstica contra a mulher em Santa Catarina. No mesmo período, foram fixadas 11.311 medidas protetivas. O número já supera as 11.107 medidas impostas em 2018.