A pandemia do novo coronavírus afetou praticamente toda a economia brasileira, mas se há um setor que mais foi atingido é o da cultura. Costuma-se dizer que esta área foi a primeira a fechar e será a última a abrir. Em Santa Catarina, um plano de ação foi montado para dar oportunidades a artistas, produtores, enfim, todos que vivem da área. À frente dele, o presidente da FCC (Fundação Catarinense de Cultura), Edinho Lemos.
Manezinho da Ilha, ex-vereador, ex-secretário municipal, Edinho está desde maio debruçado sobre a ideia de recuperar o setor, preparar ações que possam dar fôlego e incentivos aos profissionais. Na última quarta-feira (15), foi lançado o SC Mais Cultura, um programa que prevê investimentos de R$ 129 milhões em todas as regiões do estado. Uma das iniciativas mais aguardadas é o PIC (Programa de Incentivo à Cultura), também conhecido por Lei do Mecenato.
Nesta entrevista exclusiva à coluna Pelo Estado, Edinho Lemos detalha os projetos e faz um chamamento para que os envolvidos se preparem para captar recursos. “Há muito dinheiro, precisamos dos projetos bem elaborados”, resume.
Confira:
Poucos setores sofreram tanto nesta pandemia quanto a Cultura. O que o SC Mais Cultura pretende fazer para resgatar essa área?
O SC Mais Cultura foi lançado justamente por conta disto, a cultura foi o setor que mais sofreu com a pandemia, a ponto de artistas estarem passando fome. Então, através do governador Carlos Moisés (sem partido), estamos com um olhar mais sensível para dar um suporte e um apoio. Nós apresentamos um plano de ação a curto e médio prazo – curto para agora; e médio até o final da gestão, em dezembro de 2022. A ideia foi levantar o que efetivamente a FCC poderia agir. Fizemos reuniões setoriais pelo estado com o pessoal de dança, teatro, música, circo, cinema, do audiovisual com um todo, para poder entender as demandas que eles tinham. Da mesma forma recebemos aqui na FCC a visita de muitos prefeitos e secretários de cultura, presidentes de fundações que vieram trazer suas demandas e sempre perguntavam: qual a novidade? O que o governo estava pensando para fomentar a cultura no estado? A partir daí criamos um programa de descentralização e integração de cultura.
Há uma crítica de que muitos projetos são feitos apenas na Capital. Como mudar isso?
A ideia era que a FCC passasse a realizar ações em todo o estado. Porque durante muito tempo de fato houve críticas de que tudo era feito apenas na Capital, as pessoas diziam que a FCC não passava a ponte. Isso até tinha uma justificativa: a maioria os equipamentos gerenciados pela fundação estão em Florianópolis. O complexo do CIC, os teatros Pedro Ivo e Álvaro de Carvalho, os museus. Fora temos a Casa de Campo do Governador, em Rancho Queimado, que é Museu Hercílio Luz; o Museu Nacional do Mar, em São Francisco do Sul; e o Museu Etnográfico, em Biguaçu. Mas também é preciso entender que o ativo cultural em Florianópolis e na Grande Florianópolis é muito forte. Então, uma parte desses recursos geridos pela FCC ficava aqui na Capital. Mas a gente entendeu a reivindicação deles, fizemos visitas em vários municípios. Diante de todo esse cenário fizemos o planejamento e lançamos o SC Mais Cultura.
Mas como dar sustentação jurídica para levar a descentralização para a prática?
Essa questão precisa de suporte. Nós tínhamos que ter na LOA (Lei Orçamentária Anual) de 2022, mas já colocar em prática agora em 2021. Por que 2022 teríamos um problema, por ser um ano eleitoral. Então, precisaria iniciar neste ano para ter continuidade. O que é bom. O programa vai atender a 6 mesorregiões do estado. Serão selecionados grupos e nós vamos fazer entre outubro e novembro deste ano até agosto de 2022 mais de 600 eventos pelo estado. Esses eventos irão circular. Esses grupos serão selecionados pelos municípios dessas regiões. Por exemplo, no Oeste, três a quatro municípios participarão, eles fazem a seleção, escolhem o que há de melhor lá; paga-se o cachê cheio, que já estará embutido alimentação, hospedagem, ou seja, tudo por conta. Cada grupo selecionado fará 10 apresentações. Então, por exemplo, se tem 6 grupos numa determinada região, eles farão 60 apresentações. Ou seja, eles terão atividades e calendário. E eles vão rodar o estado. Por isso é descentralização e integração. A ideia é que o catarinense conheça ainda a mais a cultura do seu estado.
“Nós temos recursos para várias áreas, precisamos que sejam apresentados projetos bem elaborados parta que os repasses sejam viabilizados.”
Há outro programa dos Centros de Desenvolvimento Cultural. Como irá funcionar?
Esse será um programa feito diretamente com os municípios e diz respeito aos prefeitos. Os municípios têm que dar um espaço físico, um auditório que esteja vazio, um salão, mas que seja do município. A gente vai equipar e transformar em espaço cultural. Os equipamentos a FCC bancará através de convênios: iluminação, sonorização, etc, mas o espaço é da prefeitura. A ideia é passar de R$ 500 mil a R$ 1 milhão para cada prefeitura. Inicialmente faremos no mínimo com 20 municípios, todos de baixo IDH, que não tem a tradição de produzir cultura. Isso será um problema bom para a gente futuramente, porque tenho certeza que muitos prefeitos irão bater na porta do governador querendo ser contemplados. Será bom, a cultura ficará em efervescência.
Outro programa previsto é o de capacitação de agentes culturais. O senhor pode explicar como será?
Primeiro temos que destacar que todos esses projetos são para 2021. Temos muito trabalho pela frente. Esse processo de capacitação de agentes culturais será coordenado pela FCC e também em parceria com os municípios. Nós identificamos nos diagnósticos que fizemos que o grande problema da não participação de artistas, seja na pessoa física ou pessoa jurídica, é que eles não sabem elaborar os projetos. Como tudo é feito através de plataforma digital, muitos não sabem a o passo a passo, erram, daí o projeto não vai adiante e eles acabam perdendo oportunidades. E nisso, acaba sobrando recursos que deveriam ser usados para este fim. A gente está pedindo para os municípios que já têm essa expertise, para entidades, tipo Ballet Bolshoi, o Instituto de Dança de Joinville, a própria Camerata de Florianópolis, que ajudem seus próprios artistas a aprenderem a elaborar esses projetos. Eles serão os próprios capacitadores.
A FCC tem vários editais abertos, o senhor pode explicar como fazer para participar?
Nós estamos com vários editais abertos, como o Elisabete Anderle de Estímulo à Cultura; o Prêmio Catarinense de Cinema que têm valores específicos e a gente está pedindo a participação de todos porque não queremos devolver um centavo. O orçamento da cultura tem que ser todo gasto. Já aconteceu em exercícios anteriores a devolução de recursos. Não podemos ficar reclamando e não usar os recursos disponíveis.
“O PIC tem R$ 75 milhões para usar. É uma lei que vai virar uma política de estado.”
Tem ainda a Lei Aldir Blanc. Como está?
Nós lançamos o edital da LAB 2, que é a Lei Aldir Blanc 2, onde serão investidos R$ 27,4 milhões para projetos até dezembro deste ano. É bom destacar que a Lei Aldir Blanc não é um programa federal. É uma ldei produzida na Câmara dos Deputados, mas o governo federal é só um passador de recursos, porque em função da pandemia, para atender a classe cultural, esse dinheiro foi repassado para os estados e municípios. Só que numa primeira etapa foi feito como um auxílio emergencial R$ 600. Isso não vingou porque no CadÚnico alguns artistas já estavam recebendo algum outro tipo de auxílio e daí não poderiam ser atendido por este da cultura. Daí sobrou recursos para serem aplicados nestes editais que são feitos pela FCC. A política que gerencia esse processo é feita pela fundação. Então a gente pede para que esse pessoal se cadastre, entre com os projetos porque temos que usar esses R$ 27,4 milhões até o final do ano. Quem quiser pode entrar pelo site da FCC (www.cultura.sc.gov.br). Tem dinheiro disponível. Se sobrar recursos teremos que devolver para o governo federal. E não queremos isso. São mais de 1,5 mil projetos que serão contemplados, que variam de R$ 10 a R$ 60 mil. Em todas as regiões do estado. Isso vai beneficiar, direta e indiretamente, mais de 10 mil pessoas que trabalham com a cultura.
O senhor pode detalhar como será o PIC (Programa de Incentivo à Cultura)? Se um empresário de uma cidade pequena do interior do estado quiser participar, o que ele precisa fazer?
O PIC é um programa incentivado através da dedução do ICMS, que virou uma lei estadual. No dia 22 de setembro entra em operação através de uma plataforma contrata pela FCC. Funciona assim: o proponente inscreve um projeto, pode ser tanto pessoa física, no valor máximo de R$ 150 mil quanto pessoa jurídica, de até R$ 1,2 milhão. Mas não é um edital fechado, com prazo determinado. É um programa que está aberto o ano inteiro, como se fosse uma Lei Rouanet, em nível estadual. A diferença é que a Rouanet é pelo Imposto de Renda e o nosso é pelo ICMS. Daí respondendo a pergunta: o bom do PIC é que qualquer um que recolhe ICMS para o estado pode participar. Por exemplo: se num município de 5 mil habitantes de colonização alemã alguém quiser fazer um projeto que vá valorizar as tradições da cultura germânica, um documentário, uma peça de teatro, enfim, a pessoa física ou jurídica, entra com o projeto e se for aprovado e vá custar, vamos dizer, em torno de R$ 500 mil, o empresário pode aportar do seu imposto que é recolhido 20% para esse projeto.. Esse programa tem durabilidade de um ano e pode ser renovável por mais um ano. Ele permite continuidade. Outro ponto: não precisa captar todo o valor para viabilizar o projeto. Se o projeto é de R$ 500 mil e ele captou R$ 300 mil, por exemplo, já pode começar a rodar. O produtor terá um prazo de até dois anos para finalizar o projeto. As análises são feitas por uma comissão formada por técnicos da FCC com participação do Conselho Estadual de Cultura. Então qualquer um pode participar, o dono da padaria, o dono do posto de gasolina, da farmácia, do mercadinho, enfim, qualquer um que queira incentivar a cultura e deseja abater do pagamento do seu ICMS. Não é apenas para grandes empresários, e mais: um mesmo projeto pode ter vários incentivadores. O PIC tem R$ 75 milhões para serem usados este ano e no ano que vem, se arrecadação do estado aumentar, esse valor também vai aumentar. E é uma lei permanente que vai virar uma política de estado.